começou

November 28, 2011 Angola, Diário de viagem 1 Comment

A manhã de Domingo começou cedo. Tínhamos de estar na missa das 7h30 no Bairro da Graça, onde, no final, o padre me iria chamar para que eu me apresentasse à população católica presente – os Leigos para o Desenvolvimento são uma ONG católica – e explicasse o que me iria ocupar no próximo mês. A Catarina pôs-me à vontade logo de início. Elas teriam de ficar sentadas nas filas centrais, mas eu poderia deambular e filmar.

Ainda tirei a câmara e cheguei a ligá-la, mas rapidamente me sentei também. Não me sentia confortável a filmar sem as pessoas saberem quem eu era e o que estava a fazer. Fiquei por isso sentado. A observar, apenas, mas sentado. A missa é alternada em português e umbundo e tem um coro bem trabalhado que canta canções no estilo local. E dura muito tempo. Uma hora, duas horas, e o tempo continua a passar. As Leigas, sentadas à minha esquerda, iam passando recados da Catarina. Daqui a pouco serás chamado ali à frente para te apresentares. Diz o teu nome, explica ao que vens e fala devagar. E por onde passo? À frente da cruz não, pois não? Chamaram então pelo “Irmão” Tiago e as Leigas sorriram com esperança numa conversão. Quis levar a câmara para que as cerca de 2000 pessoas me vissem já com o equipamento que será uma extensão de mim nos próximos tempos e me pudessem depois reconhecer mais facilmente.

Passam-me o microfone e digo Bom diiia. Estranhei o som da minha voz nos altifalantes. Bolas, este timbre de tenor não impõe respeito nenhum… A plateia responde Bom diiiia!. Explico então que estou ali convidado pelos Leigos para o Desenvolvimento – que a população conhece bem pelo trabalho realizado ali nos últimos 15 anos – para fazer um filme sobre o bairro da Graça e as pessoas que nele habitam. Que esperava que todos gostassem tanto do resultado final e tivessem tanto prazer a vê-lo como eu tenho a certeza que vou ter a filmar. Aproveitei ainda para anunciar uma sessão de cinema ao ar livre que tínhamos decidido na véspera realizar no bairro e finalizei agradecendo o acolhimento e simpatia de todos. N’da pandula, n’da pandula. N’da pandula. Obrigado, em umbundu.

Um dos primeiros contactos com o bairro aconteceu antes desta apresentação, junto ao Centro Juvenil da Graça, edifício construído pelos LpD. Andava pelas imediações com a câmara a tirar imagens e rapidamente me vi cercado de crianças que se faziam à fotografia. A minha ideia de documentário costuma passar por eu me tornar tão discreto que as pessoas raramente olhem para a câmara. Num bairro com tantas crianças isto é naturalmente difícil. Já quando filmei o “Vizinhos” tive esta dificuldade, mas como havia algum registo de vox populi acabou por não ser problemático. Aqui a difículdade é maior, parece-me das primeiras impressões. Experimentei ficar imóvel, tipo homem-estátua da rua Augusta, e deixar as coisas acontecer à frente da câmara para ver quando é que os miúdos se cansariam e deixariam de me ligar. Não eram filmagens para o documentário, mas apenas um exercício. Foram mais de 12 minutos na mesma posição, praticamente com o mesmo enquadramento, que resumo no video abaixo.

No final, desliguei e optei por lhes dizer Isto foi muito giro, mas para eu conseguir fazer um filme sobre o vosso bairro temos de fazer as coisas de outra maneira. Quando eu filmar vocês continuam a fazer os que estavam a fazer como se eu fosse invisível, está bem? A regra é que não podem olhar para a câmara, sim? Sim. Não sei se vai resultar, mas estavam todos em completo silêncio, coisa difícil de imaginar quando se vê o video.

Porém, as primeiras filmagens a seguir à missa de Domingo correram surpreendentemente bem. Aventurei-me sozinho pelo bairro, fui falando com as pessoas, dando os bons dias, explicando o que estava a fazer e filmando aqui e ali imagens que retratassem o ambiente das ruas. Tive de explicar várias vezes o que estava a fazer e que a ideia não era tirar retratos em que as pessoas ficassem a olhar para a câmara, mas filmar o bairro como ele existe quando eu não estou lá. Àparte a impossibilidade Eisenberguiana, o exercício correu muito bem e acabei por filmar mais de uma hora em boas condições. Este é só um pequeno exemplo.