Acesso reservado
Bem contadas, esta é a quinta vez que venho a Varanasi em três anos. Mas por mais meses que aqui passe, por mais horas que ande pelas ruas – tenho uma aplicação no telemóvel que diz que nunca somo menos de 10km por dia – há sempre espaços a explorar, caminhos novos a percorrer. As galis, as ruelas estreitas da cidade velha, são um emaranhado labiríntico cheio de recantos e novas entradas. Muitas delas servem apenas de acesso a prédios, ilhas ou mesmo pequenos bairros onde o buzinar constante das motas se silencia. É, por isso, fácil passar-lhes ao lado, se uma pessoa se deixar arrastar pela corrente maior que têm os caminhos que levam a um destino premeditado.
Quando um turista entra num destes galis, os moradores locais começam a gesticular e falar em hindi. Raros são os que dizem em inglês que a rua não tem saída. Respondo que não tem importância, que só quero ver as portas das casas, que me apetece olhar. Não sei exactamente como digo isto sem que as pessoas sintam que estou a invadir um território vedado, é mais o tom de voz que nos faz conseguir comunicar. Facilita sentar-me para sentir o vagar da calma.
Ontem entrei numa ilha habitacional onde nunca tinha ido, próxima do local onde tomo muitas vezes o pequeno almoço. Havia na rua dezenas de crianças que me agarraram, mulheres jovens que me olhavam ambiguamente entre o querer ser fotografadas e o dever social de recusar, homens que tinham uma oportunidade de “fazer um novo amigo” para me dar a mão, abraçar, e velhas que pediam retratos, se ainda estivessem com energia, ou me viam passar sem dizer uma palavra, se já lhes faltassem as forças.
Estive uma meia hora com eles, fotografei mais do que queria, com menos qualidade do que queria. Não é fácil controlar o entusiasmo dos miúdos, aos saltos à frente da câmara, incapazes de se fixar um segundo. Se me pedem retratos, quero fazê-los como gosto.
A certa altura, entrou na rua um turista japonês. Os gestos de beco sem saída repetiram-se, os “end. finish. no.” voltaram a ouvir-se, mas o japonês nem olhou para ninguém, seguro de si, muito determinado, e continuou a invadir território exclusivo. Compreendo-o. O espaço público é de todos, temos o direito de o visitar e frequentar. Mas convém ser mais cordial nestas negociações para o acesso ao espaço informal. Não liguei, continuei a tentar fotografar duas raparigas sem que as crianças interferíssem. Pouco depois, o japonês fugia a passo apressado, cara de pânico, com miúdos agarrados às pernas, a puxar-lhe os braços e a saltar-lhe para as costas, como térmitas dispostas a devorá-lo em menos de dois minutos.
De todas as fotografias que fiz, acabaram por sair melhor as fotografias espontâneas. Preciso de mais tempo e de outra calma por parte de todos. Não posso ser novidade naquela rua interdita à arrogância. Hoje vou imprimi-las para depois lá passar outra vez e entregar. Gosto que as pessoas que se deixam fotografar saibam que eu não tiro apenas fotografias, também as dou. Só tive pena de não fotografar o japonês.
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