calor húmido e gasosa
Dia 1 em Angola, um dia longo que ainda vai a meio. Não falo das despedidas no aeroporto porque não quero fazer isto descambar já para a lamechice. Mas custou, custou…
O avião estava estupidamente frio, e, como sempre em todas as viagens que faço de noite, não dormi. Aproveitei para adiantar trabalho, ver e analisar alguns excertos de filmes e acrescentar slides a um powerpoint para um workshop de cinema. As 7 horas de viagem assim passaram depressa.
O primeiro embate com as coisas que me foram contando de Angola aconteceu quando saí a porta do avião. Num ápice, passei do frio glaciar seco do ar condicionado para o calor húmido de Angola que se sente por baixo da roupa. Desci as escadas com um sorriso rasgado e incontrolável. Chego ao asfalto da pista. O calor que evapora as pequenas poças de água penetra pelas solas dos sapatos.
A recolha de bagagem foi normal. Rápida, e eficaz. O problema veio depois. Cabe ao passageiro decidir se tem algo a declarar ou não. Fui ler a lista de artigos de cada uma. Na dos ‘a declarar’ constavam artigos fotográficos, vídeo e som, mas novos. A ser usados, não podiam ser mais de 2 de cada artigo. Tenho duas mochilas a abarrotar de material, mas não é novo e não tenho artigos em duplicado. É na boa, pensei: vou para a fila dos ‘Nada a declarar’. As malas de quem está à frente vão passando por baixo do arco de feixes radioactivos enquanto um agente procura nas imagens em infravermelhos algum artigo suspeito. Tal e qual como na entrada de um aeroporto. Pouso o tripé na passadeira, vejo-o entrar nos raio x, a lona preta continua a rolar, ponho uma mochila de equipamento, a seguir outra, entram na câmara e a passadeira pára. Previsível.
Chamam-me para um balcão à parte. Um do funcionários, miúdo novo, sussurra-me qualquer coisa que não entendo. Peço-lhe para repetir. O que tens aí para mim?, Desculpa?, Quanto tens aí para mim? Qualquer coisa para não teres de perder muito tempo aqui. Tinham-me avisado para isto também. Havia o calor, a humidade, muitas outras coisas boas, mas também as ‘gasosas’. Subornos. Os avisos que tinha eram de não ceder, de dizer que não pagava nada, que tinha tempo. Não tenho nada, deixa-te disso. Vai demorar, assim. Que demore, então. Tenho tempo e todos os papéis que vocês quiserem. Fez sinal para outro que estava atrás do balcão que me pediu o passaporte. Quase sem o ler, meteu-o no bolso. Outra regra aprendida como aviso: nunca dar o passaporte para a mão de uma autoridade. Disse-lhe que o passaporte ficava comigo. Respondeu que eram “protocolos aeroportuários”. Voltei a tentar mostrar uma segurança que na verdade não sentia. Enchi o peito e disse-lhe Não são nada. Isso não é legal. Mas eu confio em si e sei que me vai dar o passaporte de volta. Pode abrir as mochilas? Posso, mas vou dar-lhe a ler primeiro uma credencial que aqui tenho. Dei-lhe a folha, e abri as mochilas. Leu e perguntou que material era aquele e o que é que eu fazia. Expliquei, puxando galões que não tenho. Perguntou se ia levar o material de volta para Portugal. Claro que sim, é o meu material de trabalho. Suspirou… e deixou-me seguir. Desejou-me boa estadia.
Sei que não vai ficar por aqui, desconfio que volte ainda a ter alguma história para contar sobre o aeroporto, daqui a dois meses.
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