
Dia 1. Das contradições e dos dogmas.
Habituei-me à contradição. Adoptei o dogma de fazer toda esta viagem sem pisar auto-estradas, por me entediar o percurso asséptico e previsível, mas projectei fazer mais de 600km no primeiro dia, Lisboa – Fariza (Espanha), com etapa em Coimbra para me instalarem o GPS e a câmara. Um outro dogma compensa o primeiro, deixar que o caminho me encontre sem que eu me imponha.
A saída de Lisboa pela Nacional 1 não é fácil para quem ainda está a reajustar a noção de equilíbrio de uma mota carregada com duas malas cheias, mais dois sacos grandes com tendas, colchão, saco-cama e roupa adicional. A inexperiência nas viagens de mota é desmascarada rapidamente. As dúvidas da véspera da necessidade de cada objecto empacotado, ao passar Sacavém, transformam-se na certeza da incapacidade de manter a paciência no montar e desmontar, a cada estadia, de todo aquele aparato logístico.
Não sou eu que procuro as contradições. Existem. Quando se imagina uma viagem à Escócia e se procura no google imagens do que se vai encontrar, é difícil perceber que o caminho até lá poderá passar por uma estrada usada maioritariamente por camiões e trânsito suburbano. A média de 30km/h obriga o cérebro a vaguear entre sonhos, balanços, confrontos e recordações. Passando por Alverca, ao ler a indicação para o Museu do Ar, lembro-me de passeios com a minha mãe, de visitas de estudo, da vontade de voar. Passando Vila Franca, revejo a estação de comboio, o café onde ficava com o meu pai à espera que o Zé de Sousa ou o Reis nos viessem buscar para irmos à fábrica de pirolitos que estava condenada à falência e que o meu pai conseguiu ajudar a tornar-se viável.
A fidelidade ao projecto de viagem lenta continua, preferindo caminhos encaracolados que passam por Preces até Alenquer do que o mais directo retorno ao Carregado para continuar na Nacional 1. A constatação de que estava a atrasar-me demasiado chega por SMS. “Estás a ir bem. Daqui a dois dias chegas a Coimbra.”, diz a H, enquanto descanso num café junto a Pombal.
Coimbra chega 3 horas mais tarde do que previsto. Um passagem adicional pela Mealhada, para reajustar o capacete, deixa-me perdido nos meus objectivos, inseguro nos passos seguintes. Preciso de conforto, neste primeiro dia. Decido rumar à Serra da Estrela, a Gonçalo, para receber o calor familiar dos meus sogros. O primeiro dogma cai, a par do segundo. Opto pela auto-estrada para conseguir chegar antes das dez da noite.
O frio e cansaço que me deixam perigosamente em piloto-automático são terrenamente compensados na chegada. Uma noite de descanso, depois da melhor refeição existente num raio de 250km, deixam-me pronto para o segundo dia.
Dia 1. 455,7km.
Gastos:
21.38€ gasolina (13.37L)
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Total Km: 455,7km
Total gastos: 21.38€
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