mercado da caponte

November 28, 2011 Angola, Diário de viagem 0 Comments

Na manhã em que fomos ao mercado do Casseque comprar peixe, comprámos também fruta e legumes no Mercado da Caponte. Chega-se lá de táxi, uma vez mais, e temos de ficar à entrada porque a confusão começa centenas de metros antes das bancas de venda. Há de tudo e a extensão é enorme, quase impossível de percorrer numa só visita. Há bancas com ferramentas, quinquilharias, uma ala de alfaiates e costureiros (todos homens), mulheres a fritar bolos doces e pastéis salgados, miúdos a vender filmes pirateados, CDs de kizomba e rap revolucionário. Existe uma zona com roupas e panos, com os pregões e preços antes gritados pelas mulheres a serem agora repetidos mecanicamente por megafones chineses atados aos troncos de árvore que sustentam os toldos. Mulheres sentadas no chão com montinhos de fruta em frente, outras com os filhos amarrados às costas, outras com um seio de fora, a amamentar.

A mochila deve ir à frente, disseram-me. A confusão é muita e um ‘pula’ com a máquina fotográfica na mão dá nas vistas. Ia avisado mas quis testar. À cautela, tirei apenas a carteira e guardei-a no bolso das calças. Um adolescente de olhar pouco sereno passa por mim. Tinha uma linha branca de pó agarrada à cabeça. Olhei para trás e reparo que vem agora no mesmo sentido que eu. Tive sorte em reparar na linha branca. Teve azar em ter uma linha branca. Fiquei vigilante. Senti qualquer coisa na mochila e voltei-me novamente para trás. O moço estava debruçado sobre uma banca de sapatos a perguntar preços. Continuei. Novo puxão, voltei a virar-me repentinamente, a tempo de ver a mesma urgência nele a perguntar mais preços na banca seguinte. Detive-me mais tempo. Ele não se moveu. Olhei para as mulheres atrás da banca, que acenaram para mim com a cabeça como que a dizer sim, percebeste bem. Olhei para o bolso da mochila. O fecho estava já a meio. Verifiquei se os telemóveis, o português e o angolano, ainda lá estavam. Tudo ok. Fiquei a a olhar fixamente o rapaz, ainda debruçado sobre uma banca. Põe a mochila à frente, gritou de longe uma das mulheres. Ainda com cara de poucos amigos, sem tirar os olhos do rapaz, passei a mochila para a frente. Olhei de novo para as mulheres, fiz uma vénia com a cabeça, agradeci, e segui o caminho.

Os minutos seguintes foram menos agradáveis. Fico sempre enervado com situações destas, desiludido, desconfiado, inseguro, num estado de alerta que detesto. Depois comecei a rever as coisas, a lembrar-me de todas as vezes que situações parecidas me aconteceram no mercado das galinheiras, na feira do relógio, na feira da ladra. Respirei fundo. Faz reset. Estavas boa onda, volta a estar boa onda. Inspirei novamente, expirei. Procurei a Mariana e a Joana, estavam mais à frente a tentar combater a inflação repentina de preços na parte dos legumes. Papá, tira. Tira a mim. Bom diiiia. Faço a vontade, aponto a máquina, tiro, e depois mostro o resultado. As gargalhadas, palmas, outras mulheres e crianças que se aproximam para ver o quadradinho da máquina. Sempre igual, quase sempre igual, sem surpreender. Mas completamente contagioso.