Mil Novecentos e Oitenta e Quarto

October 18, 2013 Brasil, Diário de viagem 2 Comments

Metrô Estação Vergueiro, junto ao magnífico Centro Cultural de São Paulo, 17h. Do viaduto que cruza a Avenida 23 de Maio vem um mar de gente, saído dos empregos no centro da cidade. Ando há uns dias com a ideia de filmar esse movimento de pessoas, para retratar os fluxos humanos, essa dimensão urbana da deslocação casa-trabalho e o tempo que perdemos nisso. Entre vários planos, penso num contraluz na entrada de uma estação de metrô.

Tenho a Estação Vergueiro ali ao lado. Aproveito. Passo vários minutos a pensar na melhor forma de conseguir, a experimentar planos. Em Portugal, onde existe um complexo de porteiro e espírito burocrático enraizado, já teria vindo um segurança perguntar-me se tinha autorização para fotografar. Em Angola e Moçambique fui interpelado na rua pela Polícia, por ter uma máquina fotográfica na mão.

Coloco a câmara no chão, a filmar. Olho em volta, a controlar o movimento, por precaução. Quando ando com a máquina na rua enrolo-a no pulso, agora está ali solta, no chão, e isso não me deixa completamente confortável. Mas é a melhor maneira que consigo agora de apanhar as silhuetas em contraluz. Olho também para as paredes, vejo câmaras de segurança apontadas para a entrada, onde estou. A câmara filma, eu permaneço ajoelhado. Dos altifalantes chega o maior momento Orwelliano de toda a minha vida.

Não reajo. Hesito entre a incredulidade do que acabei de ouvir, de ser realmente para mim, ou de a sofisticação securitária ser tal que já se consegue identificar cidadãos estrangeiros através de câmaras no metrô. Penso no meu passaporte, em comunicações rápidas entre Ministérios dos Negócios Estrangeiros do Brasil e de Portugal. Talvez os EUA tenham oferecido ao Brasil o software de espionagem da NSA em compensação do recente constrangimento diplomático entre os dois países. Não páro de filmar, não reajo. Espero que algum segurança me venha buscar.

Passados alguns minutos desligo a câmara (o plano está fraquinho, só serve mesmo pelo momento awkward). Como gosto de saber as coisas até ao fim, desço as escada e procuro um funcionário do metrô junto aos torniquetes. Chamo-o. Simpaticamente dirige-se a mim. Há pouco chamaram pelo “cidadão Tiago”, pergunto, não percebi se era para mim e para onde me chamavam. Ah, não, responde com um sorriso, era de sacanagem com um colega nosso.