Nikkormat

December 14, 2015 blog 0 Comments

Já escrevi muitas vezes – mas é justo repetir de cada dia que passa – que foi a minha mãe que me ensinou a mexer numa máquina fotográfica, devia ter eu uns 5 ou 6 anos. Tenho uma recordação rarefeita dessa altura, como uma impressão encarquilhada da humidade, com áreas ligeiramente desbotadas pela oxidação do tempo e as arestas quebradas com a erosão causada por mudanças de casa, manuseio do tirar e guardar em envelopes e caixas. Mas é para mim nítido que foi ela que me explicou a equação da velocidade e diafragma, que me falou das diferenças de um filme com 100 ou 400 ASA.

Nessa altura o meu irmão tinha regressado da URSS, onde tinha estudado cinema. Trouxe-me uma caixa de meccanos para eu brincar e um ampliador soviético para montar uma câmara escura para ele brincar. Passei umas horas com ele lá dentro. Havia uma luz vermelha, como em todas as câmaras escuras, e eu não podia mexer em nada. Gostava do cheiro dos químicos, mas quando me fartava daquilo queria sair. O meu irmão dizia-me para esperar que acabasse de revelar para poder abrir a porta. Lá fora, queria voltar a entrar.

A máquina onde a minha mãe me ensinou a fotografar era a única que tinha, uma Nikkormat. Aguentou tudo. Quedas, férias, viagens, humidade, pó, inúmeros esquecimentos em gavetas de arrumos. Foi substituída por outros interesses e depois pelo digital. Passaram-se muitos anos. Há uns meses perguntei-lhe onde estava, apetecia-me voltar a fotografar em película. Voltou a ver luz, mas o fotómetro estava avariado, o arranjo era caro e não era garantido que ficasse boa. A máquina há-de ser arranjada, quando eu for um homem de posses abastadas, mas hoje comprei uma igual, em 2ª mão, num daqueles sites de usados. Apareceram-me o Bruno e a Vania, aqui no Chiado. Simpáticos e delicados, como todas as pessoas que têm uma Nikkormat.

Fui a seguir comprar um rolo. Amanhã vou ter com a minha mãe para a fotografar.