O dia acaba de manhã

Varanasi, 18 de Março de 2016.

Havia chegado à cidade dos mortos e dos vivos há menos de dois dias. A diferença horária para Lisboa é de cinco horas e meia. Nunca percebi porque têm um fuso horário com meias horas. Diz-se que é para não estarem alinhados com Paquistão, um país com quem mantêm relações tensas há muito tempo. No Nepal recuam um quarto de hora e isso baralha-me ainda mais, mas estas contas são na verdade irrelevantes para quem quer dormir à noite.

Tudo dificulta, além do fuso horário. Sair de Lisboa chuvosa e fria e aterrar num ambiente com 35 graus, um ar seco, cheio de pó, a comida carregada de especiarias, ainda o cansaço das três viagens de avião, com escalas e carregos de duas mochilas pesadas. A noite passa assim a ser a minha tela de trabalho. Saio do quarto que aluguei na pensão pela uma da manhã. Vagueio pela penumbra da cidade, silêncio horas a fio, brincando com a solidão entrecortada com as raras almas que também preferem a noite ao dia.

A manhã anuncia-se lenta, do outro lado do Ganges, com um sol dourado a banhar a margem onde tudo acontece. Peregrinos que descem as escadarias dos ghats e mergulham no rio, lavadores de roupa das muitas guest houses que nascem como cogumelos na cidade velha, habitantes que vêm fazer as primeiras orações do dia, barqueiros que repetem como um mantra “boat, sir?” a turistas que caminham lentamente, como quem ensaia uma nova motricidade, espantados com tudo aquilo.

E há ainda os vendedores de chá. Um chá maravilhoso que me aquece por dentro e alivia o cansaço. O dia nasce, e termina para mim. Chegou a hora de ir dormir.