o medo
O discurso sobre os problemas de segurança é praticamente impossível de evitar sempre que se viaja para lugares menos “europeus”. É lendária a fama do Rio de Janeiro, por exemplo. Ouver-se dizer com frequência que é perigoso sair à rua, que se deve ir sem nada nos bolsos, que à noite não se pode parar em semáforos. Quando acontece alguma coisa a imprensa trata de amplificar o caso, repeti-lo à náusea, ajudando a construir uma paranoia colectiva que passa de geração em geração, se cola e cria nas pessoas uma certeza sobre o assunto mesmo sem nunca lá ter estado.
Diz-me a prática que só no local, e só indo realmente à rua, é que se pode dizer se é ou não seguro. Por exemplo, quando fui a Maputo em Abril deste ano, levava avisos para não sair à rua sem ter chamado um táxi, que a criminalidade era altíssima, que roubos por esticão eram constantes. Na verdade, andei de máquina na mão todo o dia, em todo o lugar, sem qualquer problema. O medo europeu é de tal forma que num dos dias parou ao nosso lado um jipe daqueles todos modernos, com vidros fumados e imensos sistemas de alarme e ligações à central, com um empresário português lá dentro. Tipo porreiro, ofereceu-nos boleia, depois de dizer eh pá, vocês não andem aqui com a máquina na mão que vos assaltam e pode tornar-se feio que isto é violento. O contraste era giro, ele gordinho e muito barbeado, com uma camisa imaculada, e nós completamente informais, preparados para o calor e caminhadas de sol a sol. Agradecemos imenso mas que estávamos numa de sensações fortes e não havia azar. Não houve, claro. É provável que ele estivesse tão convencido que íamos ter problemas como eu estou de que ele nunca fez a pé um único quarteirão em Maputo.
Ter medo do escuro e fugir dele. Não acender a luz, não entrar, não conhecer, mas acreditar e alimentar mitos urbanos construídos, burilados, dramatizados a partir de relatos de outros, é uma opção de vida, parece-me.
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