O sujeito fica sempre por baixo,
por Bacharel Paiva BoléoO Tiago Figueiredo tem a boa fortuna de conseguir garimpar humanidade nos locais, nas pessoas e nas situações mais áridas. O seu obturador atento e lento, mais do que roubar instantes, repousa o olhar no sujeito, à espera que o brilho das histórias assente. Primeiro repara, depois dispara.
É curiosa esta palavra – “sujeito” – carregada de sentidos inconciliáveis, especialmente no contexto da fotografia com seres humanos de ambos os lados da lente. “Sujeito” implica uma distância no trato e soa mais indeterminado que “fulano”, “tipo”, “gajo”, “chavalo”, “bacano”, “mano” ou “puto”. O sujeito sujeita-se, seja a alguém poderoso ou às circunstâncias. O sujeito constrange-se, anula-se. Se formos ao latim, subjectus significa «posto debaixo, colocado em lugar baixo, exposto a; subjugado». Sujeitar é «ocultar, esconder; submeter, subordinar.» Nesta exposição, que nasce de um projecto mais amplo* (e com mais sujeitos), entramos no mundo debaixo, oculto aos enxames de turistas com paus de onanismo fotográfico, que passeiam no novo bairro do Intendente. O que temos aqui é a subjugação de uma mulher que escreve poemas e vende a decadência do seu corpo. Tiago não a trata como um sujeito, trata-a por Soraia.
Quando um criador se entrega a um projecto, fica sujeito à premissa que cria, neste caso menos sobre o fotógrafo que vence o medo, ele é apenas alguém que “entrou na jaula com a hipótese de sair a qualquer momento”, mas sim sobre abrir a porta do vestíbulo para que deixemos de olhar para a prostituição enquanto folclore local e discutamos a desumanidade dos actos. “Quem está ali, não está por opção, está ali porque tropeçou e caiu” – diz o humanista fotógrafo que usou emoções mistas neste “Viene y Va”. O álcool foi o seus assistente para vencer a inibição moral e entabular o enamoramento com os fotografados (não é por acaso que lhe chamam lubrificante social), mas ainda hoje sente que vampirizou aquelas pessoas. A puta aqui é a culpa da herança judaico-cristã.O cliente normal, usa a sua meia hora, paga e adeus, o Tiago pagou para que o registo de meia hora seja um eterno olá no domínio público. O que será pior? A exposição pública ou a realidade privada? Tiago não acredita na caridade, “é um paliativo”, nem sequer que a fotografia ajude na resolução de problemas humanos, mas não me parece que ele acredite nas suas próprias palavras, porque mais à frente suspira assim: “talvez isto tenha algum efeito, como um bombeiro que ateia um pequeno fogo para apagar um maior.” O Tiago Figueiredo não queria ser sujeito deste texto, mas era inevitável. Temos a boa fortuna dele perseguir ideias utópicas com uma máquina fotográfica, de ser uma pessoa que primeiro para e depois repara.
Reparemos. Todos nós, de uma forma ou outra, mais passivos ou ativos, na gramática e na vida, estamos sujeitos a caprichos, sujeitos a análise, sujeitos a pagamentos, sujeitos a quem nos cativa. Não julguem o Tiago e muito menos a Soraia, ela sabe perfeitamente que “todo está al revés”, como escreve no seu poema “Viene y va”. Agora entra, este é o teu quarto, teu e de toda a humanidade. *Esta exposição sem medos com curadoria de Luís Mileu não dispensa a leitura do artigo original, saído na revista Vice, com texto e imagens do Tiago.