Descrever uma fotografia. Raymond Depardon.

May 21, 2018 blog 1 Comment

ITALY. Piedmont region. Collegno near Turin.Psychiatric hospital. 1980. © Raymond Depardon | Magnum Photos

O desafio era descrever esta imagem a um amigo cego. Não contei nada sobre o fotógrafo, não expliquei onde tinha sido fotografada, não impus limite de palavras. Cada um olhou para a imagem e escreveu o que a diria ao amigo. Aqui vão os contributos, com um grande agradecimento.

Cristina Nobre Soares
Que a fotografia talvez seja sobre alguém que perdeu a cabeça. E que agora está sentado a uma mesa, provavelmente arrependido, pois as pessoas arrependidas arqueiam as costas desta forma, como se tivessem frio, com os cotovelos fincados numa toalha de malmequeres de duas cores. Essa pessoa não tem cabeça. Ou talvez esta esteja escondida dentro do casaco juntamente com a mão esquerda. A mão direita cruzou-se por fora do casaco, talvez para prender a esquerda junto ao peito. Atrás dele está outra mesa coberta com uma toalha com um padrão de flores quadrados que faz lembrar uma colcha de lã. Essa mesa está vazia.

Alexandra Neves
A imagem é tirada numa divisão de uma habitação, talvez na sala, onde se encontram duas mesas cobertas com toalhas às flores.
As paredes da sala estão danificadas e aparentam estar sujas.
Um individuo está sentado numa das mesas, e tem um casaco vestido escondendo a cabeça e a mão direita dentro do casaco, enquanto que com a mão esquerda agarra o casaco.
A mim a imagem transmite a vergonha ou o receio do individuo em mostrar a sua cara ou simplesmente o seu desejo de não aparecer na imagem.
Acho um pouco antagónica, pois se por um lado o individuo oculta a sua cabeça, por outro ele está na imagem!
Mas no fundo talvez a imagem seja bem mais simples e não tenha passado apenas de um momento de brincadeira do individuo e do fotógrafo ao qual queremos atribuir um significado mais complexo do que a realidade, à semelhança do que fazemos tantas vezes nas nossas vidas…

Rita Contente
É uma fotografia a preto e branco, contrastada, em que um homem está sentado a uma mesa, com os braços cruzados sobre o peito, e… sem cabeça. Ou melhor, claro que tem a cabeça escondida dentro do casaco de cabedal e os braços cruzados são para manter o casaco fechado. O ambiente é de pouco dinheiro. a mesa a que ele está sentado e uma que se vê atrás dele têm os tampos cobertos por toalhas com flores e motivos que seriam coloridos, se a foto não fosse a preto e branco. fica uma impressão de sujidade, pobreza e angústia. acho que sofremos pelo homem tartaruga

Maria José de Almeida
É a fotografia de um homem sem cabeça. Na realidade o homem tem cabeça e está escondida dentro do casaco, mas isso não se percebe imediatamente. O que se vê imediatamente é o tronco de um homem sem cabeça, sentado a uma mesa, com as mãos cruzadas sobre o peito a apertar um casaco. Também só vês uma mão, mas isso não resulta estranho, assumes que a outra está escondida atrás do antebraço que estás a ver ou mesmo dentro do casaco. Mas com a cabeça não é assim. O casaco não está completamente fechado na zona da gola e por isso esperas que ali esteja um pescoço. Mas não está, a gola do casaco está à volta de um buraco e por isso parece que o homem não tem cabeça. Esta ideia é reforçada porque não há nenhum volume debaixo do casaco que consigas identificar como a cabeça escondida. Não se percebe bem o sítio onde está o homem, mas é um espaço interior. A mesa está encostada a um canto da divisão e pelas manchas na parede ficas com ideia que é um espaço degradado. Há outro móvel atrás do homem, pode ser outra mesa ou uma cama. Ambos os móveis estão cobertos com panos, podem ser de renda ou lã, o da mesa tem flores o do outro móvel um motivo geométrico. São padrões que associas a ambientes rurais e pobres, mas sem uma geografia específica, esta fotografia pode ter sido tirada em qualquer lado excepto talvez em África. Mas se calhar digo isso porque a mão que se vê é de um homem branco, mais do que pelos padrões dos tecidos. A imagem remete para um ambiente frio, por causa das manchas na parede e da postura do homem a fechar o casaco, mas pode estar um calor de morte, não sabemos. A data da imagem também é indefinida, pode ser em qualquer momento desde que se inventou a fotografia. Pela qualidade da imagem diria que podemos restringir o período temporal a qualquer coisa que vai do meio do séc.XX até ontem. A fotografia é a preto e branco.

Sandra André
Um homem, cabeça coberta com um casaco de cabedal cruzado à frente com os cotovelos apoiados numa mesa. A imagem que temos é de homem sem cabeça com os ombros descaídos e os braços cruzados à frente num gesto de protecção. Transmite uma sensação triste de necessidade de proteccão. Alguém que se quer refugiar em si próprio

Bethania Pagin
Um homem que, de tão envergonhado com a condição de pobreza em que se encontra, esconde o próprio rosto.

Marta Queirós
Duas mesas. Uma está coberta com uma toalha que parece uma manta. Uma manta quente e áspera porque é feita de lã. A outra, fria. Fria pelo toque da toalha de plástico que a reveste. Há uma parede cheia de nada. Pode haver tristeza e angústia no homem que, estando entre as mesas, se esforça por desaparecer guardando a sua cabeça dentro do casaco pobre que traz vestido. (Pareces tu, Artur, quando não estás a gostar da conversa) A mão esquerda do homem segura as pontas da veste sobre a cabeça, deixando uma pequena abertura onde nada se vislumbra. Uma entrada para a luz ou para o ar. Um sinal de esperança ou do fim dela. Atrás de tudo, a parede cheia de nada.

Zé Maria
É uma fotografia a preto e branco de um homem que tem a cabeça coberta pelo casaco que tem vestido. No lugar da cabeça vemos um vazio escuro e o casaco aparenta ter a forma da cabeça lá de baixo. Poderia parecer um homem sem cabeça, mas é claramente um homem com a cabeça coberta. Os braços estão a fechar o casaco, de uma forma que me lembra protecção, refúgio, esconderijo. A mão direita não se vê, coberta pelas abas do casaco e pelo braço esquerdo. A mão esquerda está visível e tem um ar também recolhido, fechada, é uma presença muito forte na imagem. Este homem está sentado a uma mesa que tem uma toalha de flores. A mim parecem-me azuis, não sei se serão. Os cotovelos estão sobre a mesa. Atrás dele, há o que parece uma cama com uma coberta meio saloia, provavelmente também muito colorida. O compartimento onde tudo isto se encontra é sombrio. Há uma zona luminosa por detrás da figura do homem sem cabeça, na parede, que recorta a silhueta do homem de uma forma muito forte. Existe uma tensão entre a mão esquerda do homem e o “buraco” da cabeça. É um quadro triste, que me transmite uma sensação de vulnerabilidade, de perda, de alguma forma também de miséria e de vergonha.

Diana Santos
Imagina que estás sentado, sozinho, e alguém está a apontar uma câmara na tua direção. Talvez isso te faça sentir inseguro, vulnerável, ou desconfortável. Recolhes-te para dentro, puxando o teu casaco para cima e enfiando a cabeça lá dentro, para esconderes a tua cara. Poderá ser uma tentativa de protegeres o mais identificável de ti próprio, ou apenas para garantires que não estás completamente exposto a um retrato. Esta fotografia à nossa frente é a de uma pessoa que se abraça a si própria e, ao mesmo tempo, esconde-se do mundo.

Rui Branco
Quanto à imagem que publicada sobre o amigo cego, descreveria um ambiente escuro, sombrio, frio, onde estão duas mesas, pelo que parece ser um espaço de refeição. No centro está uma pessoa que se esconde dentro de um casaco, sugere uma pessoa decapitada, que perdeu a cabeça, ou que não quer ser visto nesta situação, tem vergonha desta situação. Uma mão que agarra o casaco como se um trinco se tratasse dessa fortaleza que é o blusão.

Alexandra Blanco Miguel
homem sem cabeça. fotografia b&w numa tasca tascosa de um homem enfrentando câmara de dentro do seu blusão

Carla Oliveira Sousa
Sensivelmente ao centro da fotografia um homem esconde-se por detrás do seu casaco de ganga. Sobressai a sua mão que fecha o casaco mesmo por cima da sua cabeça. O homem apoia-se numa mesa coberta por um protecção plástica florida. Atrás do homem vislumbra-se a coberta da cama que evidencia um padrão geométrico. A fotografia é a preto e branco. Tudo nela é ausência de cor. E dor.

Marisa do Vale
Lembras-te da dor que sentiste no dia em que perdeste a tua avó Mina? Pois bem, esta fotografia poderia ter-te sido tirada nesse dia!
Estás sentado na sala dela, atrás de ti continua a estar a arca com a coberta de lã que ela tricotou e que tu sempre pedias para lhe tocar, para sentires a textura da lã. Tens o teu casaco de pele vestido e estás com os cotovelos apoiados na mesa onde permanece a toalha de plástico às flores, a mesma que sempre reclamaste do cheiro intenso do plástico.
Tens o casaco a cobrir a tua cara e estás com os braços cruzados a fechá-lo para que consigas estar fechado no teu casulo, a gerir a tua perda, dor, desilusão e angústia por nunca mais poderes ouvir a sua voz melodiosa, sentires o seu cheiro a água de rosas e tocares na sua pele enrugada e macia.
Esta fotografia és tu e a tua dor, sentado na sala da tua avó Mina.

Iolanda Murtinheira
É uma foto a preto e branco que primeiro nos dá a ilusão de um Homem invisível sentado à mesa, mas que num segundo olhar retrata solidão.
Sentado à mesa sozinho, o Homem esconde a cara e a cabeça com a própria roupa, servindo-se de um abraço terno sobre si mesmo. Os cotovelos estão fixos sobre a mesa vazia.
A mesa está vazia mas as flores bordadas na toalha de mesa levam-nos para a única alusão a cor da foto.
Lá atrás, a outra mesa também está vazia e a toalha de mesa não tem flores. Sente-se vazio e vê-se confusão de padrões.

Cláudia Mateus
Um homem sentado, entre duas mesas. A imagem frontal apenas deixa ver da cintura para cima. Sozinho no espaço da fotografia. Com a cabeça escondida dentro do casaco.
O corpo envolve-se num abraço coberto pelo casaco. A pessoa escondida está abstraída do mundo, escondida dele. Os braços cruzam-se. Uma mão está exposta, por altura do rosto escondido, dobrada e tensa, a outra dentro do casaco ao nível do peito como que a aconchegar ou á procura de vida no seu interior.
Pode haver silêncio ou um grito de sofrimento.
Há um misto de dor e serenidade na foto, de alienação com paranoia. Talvez esteja louco.

Ana Mónica Moreira
Não há cor… preto e branco…
Há um homem sentado, escondido, a proteger-se, com medo de si ou do mundo.
Protege-se dentro do seu casaco, tapa a cabeça, cruza braços sobre o peito em posição de defesa ou protecção (e talvez para seu reconforto…), e serra o punho visível… o outro nem se vê…esconde tudo o que pode.
O casaco não é (era) dele… é grande…talvez doado por alguém.
Está defensivo, e tem medo. E está só.
Está sentado a uma mesa com uma bonita toalha às flores, que destoa da sua realidade. Na mesa só está ele. Atrás há outra mesa, igualmente decorada com uma toalha de flores, e não há ninguém.
Na parede atrás dele é visível o bolor a as más condições onde vive.
Ele está efectivamente só.

Pedro Duarte Fonseca
Uma imagem a preto e branco retrata uma sala com paredes sujas ou degradadas, onde em segundo plano está uma mesa coberta por uma toalha com motivos geométricos e em primeiro plano está outra mesa coberta por uma toalha com motivos florais, onde um individuo, aparentemente um homem, pelo aspeto da sua mão, tem assentes os seus cotovelos e, com os seus antebraços cruzados em “x” segura o seu casaco que puxou sobre a sua cabeça, de forma a encobri-la por completo.

Diogo Santos
Meu caro amigo ceguinho, aqui temos uma fotografia, a preto e branco, muito profunda. Vejo um homem sentado num mesa encostada à parede com uma toalha às flores. Atrás do homem encontra-se outra mesa com as mesma características. Todo o ambiente parece precário. Quanto ao homem, que é a parte mais importante, não se vê o rosto. Ele está a tapar toda a sua cabeça com um casaco. Mas não está a tapar apenas ligeiramente como seria normal se uma pessoa não quisesse ser fotografada, não, ele puxou o casaco para cima para que a cabeça ficasse totalmente coberta, parecendo inexistente. Parece que o homem não tem vontade de existir, esconde-se de um mundo cruel e frio do qual não quer fazer parte.

Maria Folque Socorro
Esta é uma fotografia a preto e branco, com uma imagem lúgubre e triste de apenas um homem e duas mesas.
Imagino que em algum restaurante antigo, nalguma tasca familiar e antiga, degradada e escura .
Este homem, do qual só se pode imaginar o rosto porque o cobre, está sentado e apoiado numa das mesas. Parece um homem desolado e envergonhado, que se esconde, cobrindo a cabeça totalmente dentro do casaco, como que a abraçar-se a si próprio.

Carlos Ferreira
É casa pobre e simples, decoração é feita apenas por duas toalhas de mesa. Está um casaco de onde sai uma mão, que esconde todo corpo, como se um casulo se tratasse.

Isabel Martins
Esta fotografia mostra um homem em que só lhe vemos uma mão que segura um casaco, e esse casaco está a tapar-lhe a cabeça. Parece que não se quer mostrar, por isso está escondido dentro do casaco. A mão que está a segurar o casaco está fechada, por isso ele quer mesmo ficar escondido. O homem está sentado a uma mesa e por trás está outra mesa, por isso parece estar sentado num restaurante mas não quer que se veja a sua cara na fotografia.

Bruno Jorge
Esta é uma fotografia a preto e branco no interior de uma casa, onde existe uma fonte de luz do lado esquerdo. Pelo formato da luz que incide na parece do lado direito, parece ser uma janela retangular. Existe uma pessoa centrada na imagem, sentada atrás de uma mesa, que por sua vez está encostada à parede. Esta tem uma toalha com desenhos de flores e que se não fosse a preto e branco, parecem colorida. Atrás desta personagem, existe um outra mesa, também ela encostada à parede. Esta mesa tem igualmente uma toalha, com um padrão com quadrados. Atrás desta mesa a sala está completamente escura. Esta personagem, no centro da imagem tem um casaco vestido, as mãos seguram ambos os lados do casaco e os braços cruzam-se no peito, e inclusive a cabeça esconde-se por debaixo do casaco, deixando um pequeno orifício gerado pela gola onde poderá eventualmente estar a espreitar a câmara que lhe tira fotos. Evidentemente, esta pessoa está escondida, mas não é claro se tem vergonha; se não quer ser fotografada; ou se está a brincar com o fotógrafo. No meu entender, parece-me mais a última opção, uma vez que a mão visível não estão em esforço/cerrada mas sim tranquila. O torço da pessoa está virada para a câmara como se a estivesse a enfrentar, se houvesse a necessidade de se esconder, tenderia a alterar a direção do tronco numa outra direção ou no limite sair da frente da câmara. E por isso, acho que é uma brincadeira, onde a pessoa está escondida e a espreitar pelo boraco do casado como quem diz: “eu estou a ver-te, mas tu não”.

Andrea Azevedo
Aqui temos uma pessoa que perdeu sua face, sua identidade. Como se alguém lhe tivesse cortado a cabeça… Isso acontece quando somos anulados e no meio de tudo e de todos desaparecemos, ao menos pensamos que desaparecemos, na verdade fugimos.