
São Paulo – outro dia
Fui para São Paulo com a cabeça tão cheia de avisos de uma cidade insuportável, de promessas de náusea, academias de ansiedade e câmaras de cancro do pulmão; cheguei com as expectativas tão baixas, mas tão baixas, que acabei por me dar muitíssimo bem na cidade.
Gostei da azáfama constante, da harmoniosa convivência entre a violência urbana de uma cidade que cresceu demasiado e forçou as artérias viárias a alargar, e a vontade das pessoas em ver também as suas vidas crescer e prosperar. São Paulo e os paulistanos, mesmo que a esmagadora maioria dos habitantes seja oriunda de outras regiões do país, carregam a fama de ser as formigas do Brasil, trabalhadores, lutadores, resilientes, em comparação com as cigarras do Rio de Janeiro, fama alimentada por uma rivalidade mútua. Consensual em diferentes geografias e culturas é a opinião de que quem quer trabalhar e ter emprego, consegue-o em São Paulo.
Mário, de quem falarei melhor noutra ocasião, nascido em Porto Alegre e gerente da principal loja da Zara em São Paulo, diz que andou anos estagnado profissionalmente até vir para São Paulo. Bernardo, assistente de produção de uma das principais produtoras de cinema em São Paulo, mudou-se do Rio em Janeiro onde já não tinha emprego. Está próspero, agora. Edgar, português, designer, enviou CVs para várias empresas no Brasil. As melhores respostas chegaram de São Paulo. Glauco, director de fotografia free-lancer, nascido no sul do Brasil, conta-me que “São Paulo é uma luta diária, tem de ir a todas, mas se quiser trabalhar, consegue.” Pedro, realizador, queixa-se que “os cariocas te abraçam no primeiro contacto, convidam para um churrasco lá em casa no dia seguinte, e aí, quando ligas a dizer que estás a chegar só para confirmar o nº da porta, disfarçam mal não se lembrar de ti e dizem que o churrasco foi cancelado”. A resposta dos cariocas será dada oportunamente, noutras páginas deste diário, quando for para o Rio e os ouvir gargalhar do modo de ser paulista.
Em defesa de São Paulo e de quem ali vive, posso garantir que não aguentei o ritmo das solicitações de festas que tive, que vi gente feliz, dinâmica, com uma capacidade imaginativa e liberdade de espírito que me causa inveja e alguma tristeza pessoal por ser portador de tantas idiossincrasias nostálgicas que me dificultam a integração nestas dinâmicas sociais. Se quisesse reutilizar os estereótipos correntes, diria que me sinto mais paulista que os paulistanos.
Mas de São Paulo, cidade, ficam-me sobretudo as imagens dos prédios da Avenida Paulista, que percorri diariamente, da altura que me atrai, aquela sensação de precipício invertido. Quem anda perdido pela cidade, entre rotinas de casa, consensos comunitários, deslocações morosas para contactos para emprego, escapadelas à livraria cultural onde se apanha a melhor net de rua que tive conhecimento, deixei o tempo passar e acabei por não visitar nenhum dos museus ou galerias que têm fama intercontinental. Talvez uma certeza intuitiva de que a minha vida irá passar muito por esta cidade nos próximos anos me tenha deixado para segundo plano essas prioridades que seriam urgentes num contexto de férias e turismo.
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