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March 2, 2015 blog 0 Comments

Acordei nessa manhã com o telefone.

– Tiago?
– Sim…
– Olha…
– …
– Estou a ligar…
– Já está, não está?
– Sim.

Depois vesti-me para ir ao hospital assinar papéis que só eu podia assinar. A minha mãe tinha saído de manhã para trabalhar e fechou a porta à chave, distraída, sem se lembrar que a fechadura não abria por dentro. Fui à varanda ver se estava alguém na rua. Uma vizinha estava à janela. Expliquei-lhe, sem contar do meu pai. Não queria ouvir palavras circunstanciais nem desabar num choro público. Deixei cair a chave lá para baixo e agradeci-lhe quando ela abriu a porta depois de subir quarto andares pelas escadas. Não havia elevador. Nem havia telemóveis.

Liguei à minha mãe de uma cabine quando cheguei ao IPO. Veio ter comigo e tratou das coisas que eu não conseguia tratar naquela anestesia em que via tudo turvo. Vi turvo durante semanas.

Desde essa manhã que todos os dias me lembro dele e lhe sinto a falta. Umas semanas depois tive a maravilhosa revelação de que a vida não se esgota nesta passagem por aqui. Apaziguou-me grande parte das angústias, mas não me compensou a ausência. Havia dias, muitos meses depois, em que ainda pegava no telefone e começava a discar o número dele e só a meio me apercebia do que estava a fazer.

Nunca reparo em datas, nunca me lembro dos anos de ninguém. Hoje reparei. Faz 21 anos. Não é uma data triste para mim. Todos os dias são de celebração, todos os dias são de recordação. Sei que o meu pai se está a divertir muito, algures numa galáxia distante da nossa. Espero que esteja.